#20e40 Comemoração de concursos para TPICs em São Paulo!

Para dar continuidade às lembranças, hoje divulgamos o discurso do então governador Mário Covas na cerimônia de posse dos colegas aprovados em 2000.

Leia o texto na íntegra abaixo, após a imagem.

Discurso do Governador do Estado de São Paulo, Sr. Mário Covas, durante a cerimônia de posse dos Tradutores Públicos e Intérpretes Comerciais do Estado de São Paulo

28/07/00

Eu tenho presidido aqui algumas dezenas de solenidades. Algumas com os assentos cheios, outras que extravasam até mesmo a ala sentada e algumas delas que se multiplicam por aquilo que anda acontecendo.

Hoje nós temos cerca de duas mil pessoas aqui, mas certamente não são duas mil. São quatro mil ou seis mil, oito mil. Porque cada pessoa que domina um idioma adicional ao nosso representa duas pessoas e quem domina dois, três idiomas, vai multiplicando a sua capacidade, a sua personalidade, pelo número de idiomas que é capaz de dominar. Já tivemos aqui alguns debates até acirrados dos mais variados setores da sociedade, mas poucas vezes eu vi uma festa tão alegre quanto esta. É um pouco uma festa com a cara de São Paulo.

Há pouco eu entregava o certificado da tradutora lituana, uma das 25 mil pessoas, lituanos, que moram num bairro de São Paulo, na Vila Zelina, onde um agrupamento muito grande reside. (…) Hoje, o que se faz é promover a síntese dessa imensa unidade de origens raciais e éticas internacionais dando ao povo de São Paulo, ao povo brasileiro, a imensa capacidade que cada um tem de dominar línguas, além da nossa, e que permite que se ampliem os negócios e que misture e interligue culturas mundialmente produzidas. Há um pouco de místico nisso.

Contam os Atos dos Apóstolos que, estando eles todos reunidos vieram do céu línguas de fogo que pousaram sobre cada um deles. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar outras línguas.

É muito antiga, portanto, a crença que associa ao domínio da palavra, principalmente da palavra estrangeira, a milagres e atributos quase sobrenaturais. Tanto é assim que em Toledo, na Espanha dos séculos 12 e 13, ao lado da grande escola de tradutores que recuperou para a cultura ocidental a filosofia e os conhecimentos da Antiguidade, desenvolveu-se uma outra, com idêntico prestígio, voltada às ciências ocultas e à magia, que passaram a ser chamadas de ars toledana, artes de Toledo.

Ai, meu São Jerônimo! Com frequência fazemos esta invocação quando as coisas não vão bem e a paciência está quase se esgotando. E São Jerônimo combina bem com paciência, porque no século quarto da nossa era, ele a teve suficientemente para traduzir a Bíblia do hebraico para o latim. O trabalho executado à mão, sobre pergaminhos, teve um impacto na difusão do catolicismo só comparável ao de Martim Lutero, que o reformou, e que fez a primeira tradução das Sagradas Escrituras para uma língua popular, o alemão.

Algumas vezes me surpreendo perguntando se uma palavra pode ser vertida de um idioma para outro. Saudade é o exemplo clássico que sugere esta impossibilidade. Mas será que só sentem saudades os que falam o português? Será que os outros povos seriam a tal ponto indiferentes às emoções e sentimentos?

Muita gente se pensa tradutor, mas somente alguns, entre os quais os senhores, conseguem atingir o espírito de uma língua. Porque a tradução não é mera transposição de palavras, pois cada uma delas tem um sentido que ultrapassa as páginas de qualquer dicionário, pois que resulta da intensa experiência cultural vivida pelo povo que nela se expressa.

As palavras têm elas mesmas uma história, uma articulação que enriquece o seu significado. Assim, por exemplo, a palavra formidável. Originalmente, queria dizer terrível, medonho, assustador. Hoje significa muito admirável, excelente, o que é exatamente o oposto.

O bom tradutor deve então percorrer tempos diversos, transitar por universos infinitos, atuando como o traço de união entre múltiplas culturas.

Temos que estar alertas contra os mais apressados. Como aquele cidadão que, se pensando tradutor, traduziu as palavras inglesas solicitor como solicitante, scotch on the rocks por uísque sobre as pedras e glass como óculos – fez um advogado tomar uísque sobre as pedras dentro dos óculos e não no copo. Erros que os senhores certamente não cometeriam, porque não lhes faltam conhecimentos e sobra-lhes sabedoria para compreender que uma palavra mal colocada, um sentido não explicitado com clareza, pode acarretar desentendimentos, batalhas judiciais e, como a história mostra, até guerras. 

Os encargos que hoje assumem são extremamente graves, porque envolvem a fé pública. Devem ser exercidos, então, com igual responsabilidade.

O número de tradutores e intérpretes nomeado faz jus às exigências do próprio desenvolvimento de São Paulo. Até hoje, os profissionais desta área atuando em nosso Estado eram em número de apenas 153. A nomeação de quase dez vezes mais virá a propiciar melhores serviços ao público, além de conferir maior expressão à categoria. 

Bem, nomeados e empossados, agora é enfrentar o trabalho. Mas se tiverem momentos de cansaço e impaciência, lembrem-se de São Jerônimo e invoquem o seu auxílio. 

Muito obrigado!

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